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O que a arte faz pela sociedade?

  • Foto do escritor: mariliadsvieira
    mariliadsvieira
  • 25 de jun.
  • 3 min de leitura

Há 15 anos, aluna do curso de Letras de uma universidade federal, ouvi pela primeira vez sobre Análise do Discurso e Ideologia. Sobre o dito, o não dito e o poder das palavras e das narrativas. Sobre as histórias que contamos e sobre as memórias de uma sociedade.


Minha vida nunca mais foi a mesma depois disso. Não por acaso, há pouco mais de 8 anos, tive minha primeira briga feia com o meu pai. E foi exatamente sobre isso - ainda que, para ele, talvez tenha sido uma discussão sobre política e que só existiu por um grande conflito de gerações.


A verdade, é que naquele dia, ele tinha dito que a ditadura no Brasil só fora ruim para quem era ruim, como se o mundo fosse tão simples e objetivo, que o velho dilema maniqueísta fosse uma verdade absoluta. Em resposta, eu havia dito - talvez esbravejado - que ele apoiava líderes que pediam a volta de um regime totalitário que certamente me caçaria e faria desaparecer também. Com uma mistura de mágoa e rebeldia, eu havia perguntado se ele achava que eu também era ruim.


Nossas vidas nunca mais foram as mesmas depois disso, Não por acaso, há quase 8 meses, vi pela primeira vez Ainda Estou aqui e, errônea e arrogantemente, julguei que era o tipo de obra que falava comigo, dialogava com a mulher adulta, politizada e preocupada com o futuro que eu havia me tornado.


Era um filme para mim e para os meus ideias, não para os meus pais. Era um filme que construía lindamente uma imagem de uma família brasileira "normal", quase de comercial de margarina, só para - logo em seguida - fazê-la sumir, sob o peso da tentativa de destruição de uma ideologia, de um legado e, principalmente, de uma memória.


No entanto, em dezembro, quando decidimos ver o filme em família, quase dois meses inteiros depois do seu lançamento e, ainda assim, numa sessão lotada, experimentei o poder da mesma narrativa, num contexto diferente. Naquele dia, eu vi aquele filme como parte de uma família. E, mais do que nunca, eu tive certeza que a vida é sobre perspectiva.

Meu pai é conservador, bolsonarista, ferrenho crítico de todo o qualquer governo de esquerda, cresceu no estado de São Paulo no auge da ditadura militar. Minha mãe, mais tradicionalista que conservadora, é religiosa e só se obrigou a pensar minimamente nas mulheres, nos direitos e na política de segurança para elas muito depois do nascimento da segunda filha - eu.


Mas, nada disso importava naquela tarde, como uma família "normal", nos sentamos e assistimos uma ideologia atravessada e opressora destruir outra família. Na metade do filme, minha mãe tinha coberto minha irmã, eu e ela mesma com um xale antigo e segurava nossas mãos sob o tecido, enquanto chorava e perguntava, mais para o universo, que para qualquer uma de nós "como aquela mulher havia aguentado tudo aquilo?" ou "quantas dores ela calou, quantas mazelas ela não dividiu com os filhos?". Meu pai, do outro lado, chorava em silêncio, com raiva e indignação, enquanto assistia, como filho e como pai, uma tragédia descabida se desenrolar.


Quando os créditos subiram, nenhuma palavra foi dita, nos demos as mãos e trocamos olhares tristes. Éramos uma família vivendo um luto antigo demais, dolorido demais. Pela primeira vez em muito tempo, meu pai e eu não discutimos sobre política, apenas dividimos essa dor profunda e a noção de como a polarização e o extremismo podem nos afastar do que importa. Atravessamos os muros da ideologia, do orgulho e da incompreensão e nos encontramos num lugar novo. Não era só sobre história ou política, no sentido rasteiro a que nos acostumamos nos últimos anos. Era sobre humanidade, sobre como a história atravessa corpos e silencia famílias inteiras. Não era sobre convencer quem pensa diferente. Era sobre lembrar que existe uma dor real por trás do que muitos tratam como “disputa ideológica”. Era sobre resistir, fazendo com que a história seja contada de forma honesta, íntima e verdadeira, para que até quem nunca quis escutar, finalmente ouça.

 
 
 

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